A expectativa era grande. Só podia. O regresso dos Acid Mothers Temple (AMT), uma das bandas mais importantes e influentes do underground japonês, é sempre um acontecimento, e para mais com uma primeira parte atribuída a uma outra banda que tem despertado o fascínio de muitos e que já há algum tempo se esperava também por cá.
Com casa cheia, os Raccoo-oo-oon entraram em palco pouco passava da hora marcada e dali adiante brindaram a ZDB com uma incrível jam de rock desconstrutivo e livre próximo ao universo de uns Comets On Fire ou Sun City Girls. Por entre os ritmos lançados pela poderosa percussão, saltavam os efeitos de voz e as guitarras em espiral pontuadas pela improvisação e pelo psicadelismo presente nos seus discos, em especial, Behold Secret Kingdom. De destacar os dois últimos temas, poderosas malhas próximas de um certo psy-blues mutante que preparam muito bem o terreno para os mestres japoneses que se seguiam. É de facto difícil definir a sonoridade da banda devido à quantidade de referências abordadas mas ao vivo esse ecletismo e indefinição ganha uma outra dimensão e uma outra força quando tocada em palco. Uma estreia certeira dos Raccoo-oo-oon por cá.
Quanto ao concerto de AMT, autêntica viagem cósmica, há a dizer que se percebe bem o porquê de serem um dos colectivos mais míticos do noise/experimental japonês. Quem os vê sente a sua energia e a mestria únicas pela forma como vêem essa forma universal que é a música e impresiona a liberdade que transpira em cima do palco e contagia a audiência. A sua presença, por si só, já é digna de admiração. Sobre a música propriamente dita, os AMT deram-nos uma lição de psicadelismo como só eles conseguem. Abordando de várias formas o rock, escutámos desde malhas explosivas que misturavam o tribalismo do krautrock com as malhas mais stoner (em especial o segundo tema) até a um longo e épico tema que acabou num infernal funk japonês espacial. Houve ainda momentos vocais a capella que elevaram (ainda mais) o nível da sua actuação e que colaram na perfeição com todo o cenário sonoro que estava instalado. Jogos de harmonias e de timbres entre dois elementos da banda que a dada altura nos brindaram com uma interpretação vocal de Pastor dos Madredeus. Uma prenda inesperada a um público já completamente rendido. Quase no final do concerto cantavam We´re only here for the money e isto já demonstrava que a banda para além de tudo o que aqui foi dito ainda nutre de um sentido de humor apurado...Viagem completa, sobravam os vestígios...No palco? Uma guitarra presa ao tecto, como "prova de crime". Na sala? Um enorme sentimento de que um cometa raro tinha atravessado a ZDB...
Texto: Nuno Afonso
Fotos: Sandra Conrado
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